Dez filmes para entender a ditadura militar no Brasil
O golpe militar realizado em 31 de março de 1964, que completa 50
anos, não ressoou apenas na política, mas também nas artes. Das sessões de
tortura aos fantasmas da ditadura, o cinema brasileiro invariavelmente volta
aos anos do regime militar para desvendar personagens, fatos e consequências do
golpe que destituiu o governo democrático do país e estabeleceu um regime de
exceção que durou longos 21 anos. Os dez filmes que compõem esta lista, se não
são os melhores, fazem um diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura
brasileira - por Chico Fireman
MANHÃ CINZENTA (1968), Olney São Paulo - Em plena vigência do
AI-5, o cineasta-militante Olney São Paulo dirigiu este filme, que se passa
numa fictícia ditadura latino-americana, onde um casal que participa de uma
passeata é preso, torturado e interrogado por um robô, antecipando o que
aconteceria com o próprio diretor. A ditadura tirou o filme de circulação, mas
uma cópia sobreviveu para mostrar a coragem de Olney São Paulo, que morreu
depois de várias sessões de tortura, em 1978
PRA FRENTE, BRASIL (1982), Roberto Farias - Um homem comum volta
para casa, mas é confundido com um "subversivo" e submetido a sessões
de tortura para confessar seus supostos crimes. Este é um dos primeiros filmes
a tratar abertamente da ditadura militar brasileira, sem recorrer a
subterfúgios ou aliterações. Reginaldo Faria escreveu o argumento e o irmão,
Roberto, assinou o roteiro e a direção do filme, repleto de astros globais, o
que ajudou a projetar o trabalho
NUNCA FOMOS TÃO FELIZES (1984), Murilo Salles - Rodado no último
ano do regime militar, a estreia de Murilo Salles na direção mostra o
reencontro entre pai e filho, depois de oito anos. Um passou anos na prisão; o
outro vivia num colégio interno. Os anos de ausência e confinamento vão ser
colocados à prova num apartamento vazio, onde o filho vai tentar descobrir qual
a verdadeira identidade de seu pai. Um dos melhores papéis da carreira de
Claudio Marzo.
CABRA MARCADO PARA MORRER (1984), Eduardo Coutinho - A história
deste filme equivale, de certa forma, à história da própria ditadura militar
brasileira. Eduardo Coutinho rodava um documentário sobre a morte de um líder
camponês em 1964, quando teve que interromper as filmagens por causa do golpe.
Retomou os trabalhos 20 anos depois, pouco antes de cair o regime, mesclando o
que já havia registrado com a vida dos personagens duas décadas depois.
Obra-prima do documentário mundial.
O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (1997), Bruno Barreto - Embora
ficcionalize passagens e personagens, a adaptação de Bruno Barreto para o livro
de Fernando Gabeira, que narra o sequestro do embaixador americano no Brasil
por grupos de esquerda, tem seus méritos. É uma das primeiras produções de
grande porte sobre a época da ditadura, tem um elenco de renome que chamou
atenção para o episódio e ganhou destaque internacional, sendo inclusive
indicado ao Oscar.
AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998), Beto Brant - Beto Brant transforma o
reencontro de quatro ex-guerrilheiros, 25 anos após o fim do regime militar,
numa reflexão sobre a herança que o golpe de 1964 deixou para os brasileiros.
Os quatro amigos, torturados durante a ditadura, descobrem que seu carrasco, o
homem que matou a namorada de um deles, ainda está vivo --e decidem partir para
um acerto de contas. O lendário pagador de promessas Leonardo Villar faz o
torturador.
CABRA CEGA (2005), Toni Venturi - Em seu melhor longa de ficção,
Toni Venturi faz um retrato dos militantes que viviam confinados à espera do
dia em que voltariam à luta armada. Leonardo Medeiros vive um guerrilheiro
ferido, que se esconde no apartamento de um amigo, e que tem na personagem de
Débora Duboc seu único elo com o mundo externo. Isolado, começa a enxergar
inimigos por todos os lados. Belas interpretações da dupla de protagonistas.
O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS (2006), Cao Hamburger -
Cao Hamburger, conhecido por seus trabalhos destinados ao público infantil, usa
o olhar de uma criança como fio condutor para este delicado drama sobre os
efeitos da ditadura dentro das famílias. Estamos no ano do tricampeonato
mundial e o protagonista, um menino de doze anos apaixonado por futebol, é
deixado pelos pais, militantes de esquerda, na casa do avô. Enquanto espera a
volta deles, o garoto começa a perceber o mundo a sua volta.
HOJE (2011), Tata Amaral - Os fantasmas da ditadura protagonizam
este filme claustrofóbico de Tata Amaral. Denise Fraga interpreta uma mulher
que acaba de comprar um apartamento com o dinheiro de uma indenização judicial.
Cíclico, o filme revela aos poucos quem é a protagonista, por que ela recebeu o
dinheiro e de onde veio a misteriosa figura que se esconde entre os cômodos
daquele apartamento. Denise Fraga surpreende num papel dramático.
TATUAGEM (2013), Hilton Lacerda - A estreia do roteirista Hilton
Lacerda na direção é um libelo à liberdade e um manifesto anárquico contra a
censura. Protagonizado por um grupo teatral do Recife, o filme contrapõe
militares e artistas em plena ditadura militar, mas transforma os últimos nos
verdadeiros soldados. Os soldados da mudança. Irandhir Santos, grande,
interpreta o líder da trupe. Ele cai de amores pelo recruta vivido pelo
estreante Jesuíta Barbosa, que fica encantado pelo modo de vida do grupo.
Fonte: Do
UOL, em São Paulo 31/03/2014 - 07h00